quinta-feira, março 10, 2005

Viajando de Comboio

Todos os dias faço o mesmo trajecto de comboio (excepto fins-de-semana) tento ir sempre na primeira carruagem para ao chegar ao meu destino ter de andar menos. Constato que tal como eu que acabo por fazer esta rotina (como eu odeio rotinas) as caras que se encontram à minha volta também são sempre as mesmas!
Assim, comecei por me debruçar acerca de o que iriam as pessoas a pensar enquanto iam no comboio, como seriam as suas vidas, as suas preocupações, se seriam pessoas felizes, amarguradas com a vida.. ia tentado perceber mil e uma coisas acerca da vida desta dúzia de pessoas que se encontra na mesma carruagem que eu. Creio que muitos de nós fazemos isto (temos de nos entreter de alguma forma) vamos fazendo suposições acerca da vida e do modo de ser dessa pessoa.
Ora, se a pessoa vai a ler ficamos a saber que gosta de ler e para além disso, tomamos conhecimento do tipo de livro que gosta de ler e por aí fora (até ficamos a saber quanto tempo ela demora a ler os livros, cada vez que aparece com um novo). Ora, até aqui tudo bem. Porém, no outro dia, dei por mim a contar a vida de meia dúzia de pessoa que vão todos os dias na minha carruagem!! Fiquei perplexa! Ainda não me tinha apercebido do quando eu já sei da vida de pessoa que nem conheço!
Vejamos, existe um Sr muito bem vestido, anda pela casa dos trinta e poucos anos, usa fato italiano e aparenta ser homossexual (desde já se esclareça que não tenho nada contra, e acho muito bem que as pessoas não tenham problemas em se afirmar, este não foi qualquer juízo de valor, apenas uma constatação). Este Sr com uma postura bastante educada falando baixo no comboio tem uma amiga cuja idade já se deve situar acima da casa dos 40, esta amiga gosta muito de falar alto, rir-se, bisbilhotar as coisas, para além disso, esta amiga tem uma filha que se chama Sofia. Esta Sra gosta de ouvir música, sei que gosta de Brian Adams e vai sempre com uns phones, o que acho particularmente interessante tendo em conta a sua faixa etária. Ora, conversas à parte que eles têm, as quais já sei mil e uma peripécias das suas vidas, fiquei a saber que o Sr é realmente homossexual pois fala do seu companheiro. Fiquei especialmente orgulhosa por ele não ter qualquer tipo de problemas e ter essas conversas no comboio, sendo totalmente assumido!
Para além deste dois, existem umas cinco senhoras que são mais do que empregadas de limpeza, elas fazem tudo na casa dos seus patrões inclusivamente servi-lhes o pequeno almoço, almoço e jantar à mesa! Sei também que ganham menos que o ordenado mínimo (o que achei bastante estranho). Para além disso, gostam de fazer bordados e trocam desenhos de bordados e receitas entre si, uma ou outra também gosta de ler, inclusivamente, lê livros dos patrões quando anda a limpar os móveis.
Bem... eu poderia me estender aqui e fazer muitas mais descrições acerca destas sete pessoas e ainda de mais três casais pelo menos que não mencionei e que cada um tem as suas particularidades, mas a vida desta pessoas não é para nadar aqui em praça pública, passo a expressão.
Ora, se não interessa porque é que eu a estou a narrar? Pergunta o leitor. Já se aperceberam de que por vezes conhecemos melhor os estranhos e sabemos mais coisas das suas vidas do que da maioria das pessoas que conhecemos realmente?(estou a falar em conhecidos, e não em amigos) Não acham interessante que as pessoas tenham tantas máscaras sociais quando convivem umas com as outras e que quem esteja de fora se aperceba de muitos pormenores ficando a conhece-las melhor que muitos?

Até aqui menos mal, mas agora deixem-me acrescentar um pormenor fora deste caso de viajar nos comboios. Há pessoas, segundo a minha pequena experiência de vida, não são poucas pessoas, que falam mais facilmente sobre elas próprias com desconhecidos, pessoas que acabaram de travar conhecimento e que, porventura, calculem que não ficará qualquer vinculo afectivo entre elas. Uma pessoa é capaz de falar com um estranho acerca de todas as frustrações da sua vida e do que a preocupa e a entristece. Ao invés de falar com as pessoas com que realmente se preocupam e mostrar-lhes isso! Será que nunca se aperceberam que confrontar o alvo dos vosso problemas com esses mesmos problemas é caminhar para uma resolução dos mesmos? Andar a remoe-los ou ignorá-los, não é solução. Um desconhecido merece mais conhecer-vos do que as pessoas que se preocupam com vocês?

Sou a única que penso que se as pessoas falassem mais umas com as outras, muitos mal entendido nunca teriam existido? Quantas tempestades comportamentais não teriam sido evitadas se as pessoas falassem mais umas com as outras!?

Andam muitas pessoas por aí com o seu mundo ao contrário, ou, sou eu que tenho o meu?

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